Conceito sobre o que foi a Lei de Tóxicos de 1976 e o motivo dela ter sido importante:
A Lei nº 6.368, de outubro de 1976, conhecida como Lei de Tóxicos, trouxe regras para prevenir e combater o uso e o tráfico de drogas. Somado a isso, ela também definiu medidas sobre como lidar com pessoas que fazem uso de substâncias que causam dependência física ou mental. Logo, essa lei substituiu uma versão anterior de 1971, que tinha uma abordagem mais restrita e focada apenas em certos crimes relacionados a drogas.
Mudança na nova lei em relação à responsabilização penal de pessoas que usam drogas:
Uma das principais mudanças veio com o Artigo 19, que estabeleceu que uma pessoa não deve ser punida se, no momento do crime, estava completamente incapaz de entender o que estava fazendo por estar sob efeito de drogas ou por ser dependente delas, sendo importante destacar que esta tenha acontecido desde que sido causada por um fator inesperado (como um acidente ou força maior).
Além disso, mesmo que a pessoa não estivesse totalmente incapaz, mas tivesse sua capacidade de julgamento reduzida, o juiz poderia diminuir a pena de um terço até dois terços.
Por que essa mudança é relevante na prática médica?
Porque ela mostra o reconhecimento legal de que o uso ou a dependência de substâncias pode afetar a capacidade da pessoa de entender ou controlar suas ações. Por isso, os médicos, especialmente psiquiatras e peritos, são fundamentais para avaliar se havia essa incapacidade no momento do crime, através de laudos e perícias.
Essa avaliação se aplicava apenas a crimes relacionados a drogas?
Não, tendo em vista que diferentemente da lei anterior, a Lei de 1976 ampliou o alcance da regra: passou a valer para qualquer tipo de crime, desde que a pessoa estivesse sob efeito de substância psicoativa ou fosse dependente químico e isso tivesse comprometido sua capacidade de julgamento no momento da ação.
O que dizia o Artigo 29 da lei?
Esse artigo determinava que, se o juiz absolvesse o acusado por entender, com base em perícia médica oficial, que ele não tinha capacidade de entender ou se controlar por causa da dependência química, o juiz deveria encaminhá-lo para tratamento médico obrigatório.
Como o processo seguia após o início do tratamento?
Se o paciente se recuperasse, o médico responsável deveria informar oficialmente ao juiz. Assim, o juiz, então, com base em nova perícia e após ouvir o Ministério Público, poderia encerrar o processo. Isso deu origem ao chamado exame de recuperação da dependência, que se assemelha ao exame de verificação de cessação de periculosidade, usado em casos de transtornos mentais.
Há alguma crítica a esse modelo?
Sim, visto que muitos especialistas criticam o fato de que esses exames acabam tratando o transtorno mental como sinônimo de periculosidade, o que é um equívoco. Essa questão é mais aprofundada no debate sobre risco de violência e avaliação clínica, tema importante para profissionais da saúde mental.
O que aconteceu com a legislação sobre drogas entre o final do século XX e o início dos anos 2000?
Durante o final do século XX, a legislação sobre drogas passou por pequenas mudanças, mas o conceito de inimputabilidade penal, ou seja, quando uma pessoa não pode ser responsabilizada criminalmente por seus atos, portanto, permaneceu o mesmo.
O que foi a Lei nº 10.409, de 2002, e por que gerou confusão?
Em 2002, foi criada a Lei nº 10.409, com o objetivo de substituir completamente a antiga Lei de Tóxicos de 1976. No entanto, essa nova lei foi mal escrita, o que causou muita confusão. O resultado foi que, por um tempo, o Brasil teve duas leis sobre drogas funcionando ao mesmo tempo: a de 2002 tratando de alguns temas e a de 1976 ainda valendo para outros, como a questão da inimputabilidade penal.
Como essa situação foi resolvida?
Em 2006, foi criada a Lei nº 11.343, conhecida como Lei de Drogas (LD), que finalmente organizou a legislação sobre o tema. Portanto, essa lei criou o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), abordando a prevenção do uso de drogas, o atendimento a usuários, a reinserção social e também normas para repressão ao tráfico.
A nova Lei de Drogas mudou algo sobre a inimputabilidade de usuários de drogas?
Não, visto que a Lei de 2006 manteve a mesma lógica da lei de 1976 com relação à inimputabilidade. Ou seja, continua sendo adotado o critério biopsicológico, que avalia se a pessoa tinha capacidade mental preservada no momento do crime.
O que diz o Artigo 45 da Lei de Drogas?
O artigo 45 estabelece que uma pessoa não deve ser punida se, no momento da ação criminosa, estava totalmente incapaz de entender que o que fazia era errado ou de se controlar, por estar sob efeito de droga ou por ser dependente desde que esse estado tenha sido causado por um evento fora de seu controle, como um acidente ou força maior.
O que pode acontecer com o agente nesses casos?
Se for comprovado, por meio de perícia médica, que a pessoa realmente estava nessa condição, o juiz poderá absolvê-la e encaminhá-la para tratamento médico adequado, como prevê o parágrafo único do Artigo 45.
E se a pessoa ainda tinha alguma capacidade de entendimento?
Se a pessoa não estava completamente incapaz, mas sua capacidade de julgamento estava diminuída, o Artigo 46 da mesma lei permite que a pena seja reduzida de um terço a dois terços. Esse é o caso da chamada semi-imputabilidade.
Existe alguma alternativa à pena de prisão para esses casos?
Sim, post que de acordo com o Artigo 98 do Código Penal, se for necessário um tratamento especializado, a pena pode ser substituída por uma medida de segurança, que geralmente envolve internação psiquiátrica ou tratamento ambulatorial.
A inimputabilidade vale apenas para crimes ligados a drogas?
Não, com base que como já era na Lei de 1976, a Lei de 2006 também aplica essas regras a qualquer tipo de crime, mesmo que não esteja diretamente relacionado ao uso ou tráfico de drogas. Por isso, o importante é que a pessoa estivesse sob efeito de drogas ou em estado de dependência no momento do crime, com comprometimento de sua capacidade mental.
O que significa o termo “actio libera in causa”? E por que isso é importante?
Esse princípio diz que uma pessoa pode ser responsabilizada por seus atos, mesmo que estivesse fora de si no momento do crime, se tiver se colocado voluntariamente nessa condição (como usar drogas com a intenção de cometer o crime). Ou seja, a isenção de pena só vale se o uso da droga tiver ocorrido de forma não intencional ou em situação fora do controle da pessoa.
Referência: TABORDA, Jorge Mario; ABDALLA-FILHO, Elias; CHALUB, Miguel; TELLES, Lisieux E. de Borba. Psiquiatria Forense. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, [2016].